Plano Diretor: vetos são derrubados, e ficam mantidas regras aprovadas para Urca, Botafogo e Grajaú
em O Globo, 14/março
Ferros-velhos e clubes de tiros são excluídos da nova legislação. Benefícios a grupos vulneráveis também ficam fora.
Os parâmetros urbanísticos fixados pelo novo Plano Diretor do Rio para os bairros da Urca e de Botafogo, na Zona Sul, serão mantidos, assim como a delimitação e os bens preservados da Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) do Grajaú. Isso porque os vetos a essas emendas, feitos pelo prefeito Eduardo Paes, foram rejeitados nesta quinta-feira, pela Câmara Municipal. Dos 107 vetos, só 30 foram mantidos pelos vereadores, entre eles os que retiram os artigos que tratam de ferros-velhos e clube de tiros da nova legislação, que estabelece diretrizes para o uso e a ocupação do solo da cidade, regras de zoneamento, índices urbanísticos, entre outros parâmetros.
O processo de tramitação da Lei Complementar 270/2024 se encerrou ontem, após dois anos de discussões, 34 audiências públicas e o recebimento de mais de mil contribuições populares. Um acordo permitiu que fossem levadas a plenário 35 das emendas vetadas por Paes — 33 consideradas prioritárias pela prefeitura e duas por vereadores —, que foram votadas como destaque.
Durante a sessão, o presidente da Comissão do Plano Diretor, vereador Rafael Aloisio Freitas (Cidadania) ressaltou a importância da derrubada de vetos. Assinalou que sua manutenção retornaria com legislações antigas que ficariam sobrepostas às novas normas, trazendo insegurança jurídica e prejuízo para o município. O novo plano vale por dez anos.
— Tínhamos uma legislação muito retalhada, antiga, com normas de 1976, que dificultavam o cidadão a saber o que estava valendo em cada área da cidade. A nova regra unifica em um só texto toda a legislação urbanística, como a lei de uso, parcelamento e ocupação do solo, racionalizando as regras e desburocratizando a vida de quem quer construir — afirmou ele.
O presidente da Casa, vereador Carlo Caiado (PSD) também assinalou a importância de reunir dezenas de legislações em uma só:
— Isso vai simplificar na hora de investir, de construir, reduzir a informalidade e fazer a cidade se desenvolver de forma organizada.
Urca: Proibido juntar terrenos para construir
Na Urca, pelas novas regras fica proibido o desmembramento de terrenos para novas construções. Pelo zoneamento, não há possibilidade de licenciar estabelecimentos comerciais que gerem impacto no trânsito. Mas, como em toda a cidade, o texto facilitou a abertura de escritórios de profissionais liberais e outras atividades comerciais em residências.
Para Botafogo, ficam proibidas construções de hospitais e de escolas particulares nas ruas principais, conhecidas pelo trânsito intenso. Os futuros empreendimentos comerciais vão depender de análise de impacto. Bares e restaurantes no polo formado pelas ruas Visconde de Caravelas e Conde de Irajá ficam sujeitos a liberação dos órgãos de ordem pública e trânsito.
Clubes e estandes de tiro
Os deputados Rogério Amorim (PL) e Carlos Bolsonaro (Republicanos) colocaram para votar em destaque o veto do prefeito ao parágrafo único do artigo 340 que incluía, entre atividades permitidas, as de clubes e estandes de tiro, “sem restrição de implantação, desde que respeitado o impacto moderado", observando distanciamento mínimo de unidades de ensino, fora de algumas zonas da cidade e observando a legislação federal.
Como o veto foi mantido, clubes e estandes saem no texto do Plano Diretor. Mas, segundo o vereador Pedro Duarte (Novo), isso não significa que não possam ser licenciados:
— O clube de tiro não entrou na lista do “são permitidas em todas as zonas” e “sem restrição de implantação”. Isso não quer dizer que está proibido. Apenas que não será em todas as zonas nem “sem restrição de implantação”. Será nas zonas comerciais, por exemplo, e não nas residenciais.
Duarte também avaliou como positivo o resultado do plano:
— Estávamos defendendo, desde o começo, uma legislação única, ou seja, não fatiada por bairros. Mas, claro, sempre respeitando as peculiaridades de cada região.
O segundo destaque do Legislativo foi apresentado por um grupo de vereadores. O veto do prefeito também foi mantido. E sai do plano a emenda que garantia prioridade para grupos vulneráveis em programas de locação social. Inciso fala em “famílias chefiadas por mulheres, populações negras, indígenas. LGBPQIA+ e minorias sociais.
Outro veto, considerado prioritário pelo Executivo, foi mantido. A Câmara tinha emendado o Plano Diretor prevendo que pelo menos 30% dos valores recebidos pela prefeitura ao realizar operações urbanas consorciadas, como o Porto Maravilha, deveriam ser aplicados em Habitação de Interesse Social. Como o veto foi mantido, a prefeitura não será obrigada a fazer esse investimento.
Ferros-velhos
Mais um dispositivo polêmico, tratando de ferros-velhos, teve mantido o veto. O artigo, que sai do Plano Diretor, restringia a instalação de ferros-velhos, proibindo-os em zonas residenciais e de conservação, por exemplo. Segundo a prefeitura, a retirada dos estabelecimentos do plano impede que sejam dadas novas licenças de instalação para qualquer área da cidade.
Entre os destaques do plano estão a inclusão de um capítulo dedicado a favelas e um artigo que restringe o uso do terreno do terreno do batalhão da PM no Leblon a instalações de serviço público e áreas de convivência para a população. Na região da Barra, é mantido o chamado Plano Lúcio Costa. Outra novidade é o fim da obrigatoriedade de vagas de estacionamento em novos prédios da cidade, com algumas exceções para bairros afastados.
A lei traz ainda parâmetros melhores e incentivos para a reocupação da Zona Norte, em especial no entorno dos corredores de transporte, como trem, metrô e BRT. E ainda cria o mecanismo da outorga onerosa para toda a cidade. Trata-se do pagamento de uma contrapartida para construções que superarem o Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB), definido por área da cidade.
Homenagem à Marielle Franco
Durante a sessão de votação, a pedido da vereadora Luciana Boiteux (PSOL), foi realizado um minuto de silêncio em memória da morte da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018.
— A memória de Marielle é eterna. Quem ataca sua história demonstra a sua “desimportância” e vai para o lixo da história. Não aceitaremos nenhum passo atrás em seu legado. Quem achou que fosse acabar com ela só fortaleceu a sua luta — afirmou.
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