Incorporadoras têm 4º tri forte e retornam ao lucro

em Valor Econômico, 25/março

Programas habitacionais ajudam baixa renda, enquanto vendas no alto médio e alto padrão surpreendem, com juro alto.

As incorporadoras de capital aberto que divulgaram balanço até sexta-feira (22) fecharam o quarto trimestre de 2023 com expansão de receita, de volume de vendas e de lançamentos, em relação ao mesmo período do ano anterior. O resultado mostra que essas empresas reverteram o prejuízo registrado nos últimos três meses de 2022 em lucro no fim do ano passado.

Levantamento realizado pelo Valor Data com base em 21 balanços aponta que houve reversão de prejuízo líquido para lucro de R$ 1,2 bilhão, com crescimento de 30,9% na receita líquida e incremento de margens, acompanhado por alta de 14,4% nos lançamentos e por vendas 41,3% maiores.

As incorporadoras do segmento econômico apresentaram resultados fortes. Para Bruno Mendonça, analista de mercado imobiliário do Bradesco BBI, o destaque positivo foi a Plano&Plano, que reverteu dívida líquida em caixa líquido de R$ 37,8 milhões no período. Os resultados foram impulsionados pelo programa Pode Entrar, da prefeitura paulistana, que compra unidades. A Plano vendeu R$ 692 milhões ao programa.

Para André Mazini, analista do Citi, o destaque do trimestre foi a Cury, que apresentou forte geração de caixa (R$ 176,1 milhões). “Ela tem exposição a São Paulo e Rio, se beneficia da mudança nos planos diretores das duas cidades”, diz. Mendonça avalia os resultados da Cury como “fortíssimos”, e que teriam até ofuscado o balanço “bom” da Direcional, porque ambas divulgaram no mesmo dia.

Para ele, os bons resultados reforçam o otimismo do mercado com as companhias que atuam na baixa renda. “Fica cada vez mais claro que as novas regras do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) estão surtindo efeito”, afirma.

No ano passado, houve reajuste do preço dos imóveis, da curva de juros e dos subsídios, além do prazo máximo de financiamento maior. Neste mês, foi publicada uma instrução que reduz a alíquota do RET (Regime Especial de Tributação) para a faixa 1 do programa. Para as próximas semanas é aguardada ainda a aprovação do chamado FGTS Futuro, que permite considerar os depósitos na conta do comprador na comprovação de renda. Essa medida também só para a faixa inicial do MCMV.

Mesmo MRV e Tenda, que lutam para recuperar lucratividade, conseguiram melhoras operacionais e financeiras. Mendonça considera a situação da Tenda mais “simples”, porque a empresa tem menos atividades paralelas - apenas a Alea, de casas pré-fabricadas -, enquanto a MRV tem as marcas Luggo, Urba e a divisão americana Resia, que pode gerar um “spin-off” neste ano. “Virou um bicho muito complexo.”

Uma preocupação do setor é o uso de recursos do FGTS, que abastecem o MCMV, para financiar usados. A parcela de recursos para isso passou da média de 10%, entre 2018 e 2022, para 30% no início deste ano, diz Mazini. “Vai de encontro ao objetivo de governo de construir 2 milhões de unidades.”

Em teleconferência de resultados, Rafael Menin, copresidente da MRV, disse que se defende um corte para 15%, para evitar escassez de funding aos lançamentos.

"Ninguém imaginou que as construtoras performassem tão bem com juro alto” — André Mazini

No setor de média e alta renda, os dois analistas concordam que a Cyrela foi o destaque do trimestre. Mazini afirma que o aumento de despesa com vendas, de 13%, pode estar relacionado com preparação para lançamentos mais fortes no primeiro semestre. Em teleconferência de resultados, o copresidente Raphael Horn disse que a Cyrela deve lançar mais em 2024, após alta de 13% em 2023.

A queima de caixa de R$ 94 milhões da companhia no trimestre, por compra de terrenos, é justificável, segundo o analista, porque é preciso diminuir as áreas no Rio e comprar mais em São Paulo. A Cyrela tem hoje 70% do seu banco de terrenos na capital carioca, mas 65% dos lançamentos do ano passado foram na capital paulista.

Para Mendonça, a EZTec teve resultado “acima do esperado” no trimestre, com perspectiva de melhora nas margens. O desafio, diz, é acelerar os lançamentos, que caíram 45% em 2023.

A queda da Selic deve servir “mais para aliviar os bancos do que para trazer a taxa do financiamento imobiliário para baixo”, segundo o analista do Bradesco. Mazini também não espera que o corte chegue à taxa do crédito imobiliário até o quarto trimestre. É preciso saldo da poupança melhor.

Mesmo com taxas altas, que podem passar dos 13,5% ao ano, com a TR incluída, as vendas subiram. “Foi meio incrível, ninguém imaginava que as incorporadoras conseguiriam performar tão bem com o juro alto”, diz Mazini. Isso trouxe mais otimismo para a média e alta renda, e perspectiva de que os lançamentos acelerem “um pouco” em 2024, segundo Mendonça.

O ano atual terá grande volume de entregas, mas os analistas não temem uma disparada dos distratos. A entrega é um momento sensível, porque é quando o comprador contrai o financiamento bancário. Como o preço dos imóveis novos não caiu, e o cliente perde metade do valor que já pagou se optar pelo distrato, não haveria incentivos para uma interrupção “racional” do contrato. “Quanto mais o tempo passa, o mercado fica mais seguro de que a fase de entrega deste ano vai acontecer de forma saudável”, diz Mendonça.


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